quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Um poema de um amigo

Querias um poema.
Não te bastava a leveza de um fonema
Ou a secura de um lema,
Querias um poema,
Um problema,
Uma palavra que não tema,
Uma rima, meu dilema,
E tudo porque queres um poema,
Não te basta um telefonema,
Uma polémica celeuma,
Um suspiro que trema,
Precisas de um poema.

Teu pedido não é chantagem,
Nem manifesto jogo de imagem.
Mas o que escrever,
Que linhas criar,
Se nada me acorre a ocorrer,
E te faz desapontar?

Nada me vem, nada se constrói,
Minha consciência me mói
Ah, a escrita,
Criação maldita
Que se enrola mesquinha
E nem avisa quando se avizinha,
Emergindo de rompante
Apenas nos atribuindo um instante
Para a materializar
Caligraficamente a verbalizar


Seria fácil falar de flores,
E que todos iremos morrer de amores
Seria banal falar do coração
E fazê-lo rimar com mão
Não é original,
Virginal
Apenas medroso
Piedoso

Seria ousado empregar expressões palavrosas
Que mais não fossem que calinadas tinhosas
De longe a longe, rimá-las com rosas
Seria presunçoso falar de sensações
De imaginárias deambulações
De espinhos, joelhos e perdões.

Não, não tenho jeito para tal,
Hoje tudo me sai mal,
Nem adianta perambular
E rabiar
Rodear
Tentar
Terei mesmo que me conformar
Te noticiar
Que hoje é dia de me silenciar

Palavras para agastar
Simples letras a soçobrar
Nada que seja meu ou teu
Que possa emparelhar com céu
Nada que esteja em casa ou na rua
Apenas para rimar com lua
Afinal esta tentativa é minha ou será tua?

Lamento
Nem por um reles momento
Se evidencia o olor de um sentimento
Sou insensível
Ou assim estarei ou me sentirei
E não, não me revoltarei
Não me peças falinhas mansas
Hoje não posso entrar nessas danças
Não me movem tais intenções
E sou surdo a insistências e pressões

Ditosas sugestões me causam náuseas e tonturas
Todas as saídas se me afiguram escuras
Insistem para que caminhe em carreira
Eu!, que tudo faço à minha maneira
E julgam que me seduzem com sorrisos lassos
Julgam que me podem movimentar os passos
E em minhas artérias impregnar meu sangue
Até de minhas forças me tornarem exangue.

Olhai e ide em vossas aventuras
Em vossas parcimoniosas esculturas
Que tão bem ficam no meio da praça
Como tua blusa infestada de traça
Olhai e dizei "eu quero"
E é por esse querer que não espero
Que me revolvem os fios da navalha
Que corto cada ponto da tua malha
Não me cabe carregar qualquer cruz
Nada sairá de meu obscuro arcabuz
A não ser a minha pastosa loucura
Que se revolve na profundeza de sua lura

Querias luar e te saiu noite
Querias amor e levaste açoite
Querias evitar esse dente
Que te passou tão rente
Querias que te escrevesse a falar de paz,
Mas, querida, hoje não sou capaz,
Não suporto uma única promessa,
Não assisto de novo a essa peça
E apenas te digo
Do alto do meu umbigo
Hoje não faço o que é preciso
Hoje não, não contem comigo


Vasco F.

3 comentários:

x disse...

lindo. *

rtp disse...

É verdade!
Também eu gostei de ler este poema, que não é apenas um leve fonema, nem transmite com secura um lema.
:-)

verde disse...

Muito bom, não é? talvez um dia tenhamos um livro de poesia do Vasco ;)