sexta-feira, 23 de março de 2007

Segredo

Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projectou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome - essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração.

Fernando Pinto do Amaral in «Às Cegas»- Poesia Reunida 1990 - 2000, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2000


Ontem Fernando Pinto do Amaral esteve nas "quintas de leitura", no Teatro do Campo Alegre e falou sobre a poesia e as palavras. Para além dos poemas, muito bem declamados, encantou-me a forma como falou das palavras. As palavras, disse, precisam de ser tratadas, cuidadas e, de vez em quando, limpas, polidas de modo a renascerem com novos significados. Pinto do Amaral é autor de uma tradução de As Flores do Mal, de Baudelaire, que lhe valeu o Prémio Pen Club e o Prémio da Associação Portuguesa de Tradutores. Traduziu também outros poetas, como Verlaine e Jorge Luis Borges, organizou diversas edições e publicou dois livros de ensaio literário. Publicou cinco livros de poesia, tendo reunido os primeiros quatro no volume Poesia Reunida (2000). Estreou-se com Acedia, em 1990. Acabou de publicar Pena Suspensa.

1 comentário:

filipelamas disse...

Comecei a ler "Pena suspensa". Parece valer mesmo a pena!